CULTURA, REGIONALISMO E INOVAÇÃO – O CASO ROCK DE GALPÃO

Tiago Ferraz – 09/07/2018

Tiago Ferraz
Músico, compositor e produtor cultural

As instituições de educação superior têm me indagado sobre como enfocar a cultura e inovar na música uma vez que o projeto “Rock de Galpão” apresenta uma releitura musical, que significa e traz novos conceitos a um simbolismo cultural presente na vida de todos os moradores do sul do Brasil, denominado geograficamente como pampa gaúcho.

O conceito de cultura tem múltiplos olhares com distintos enfoques e usos nas diferentes áreas do conhecimento, em diferentes dimensões da vida cotidiana. Muitas vezes a esse conceito são aplicados os sinônimos de “espírito”, “tradição” e “ideologia”. Por outro lado, ligado a esse conceito diversas teorias partem do pressuposto que os saberes acumulados e transmitidos pela humanidade, ao longo de sua história, são culturais e associada às ideias de progresso, de evolução, de educação e de razão.

O Rock de Galpão[1] é um projeto cultural que busca o resgate, a valorização da música regional dos pampas para explorar sua riqueza e diversidade sonora e traduzi-la em versões contemporâneas. Pesquisa no legado musical deixado pelas culturas portuguesa, espanhola, africana e indígena, mostrando a riqueza cultural do pampa para os mais diversos públicos, ao mesmo tempo em que valoriza o ambiente multicultural em que está inserido. A partir das sonoridades regionais como a milonga, o xote e o chamamé, o grupo cria novos arranjos com influências do rock, reggae, folk, blues e outros ritmos, e resgata a obra de autores como Lupicínio Rodrigues, Jayme Caetano Braun, Mário Barbará, Noel Guarany, Nico e Bagre Fagundes, Aparicio Silva Rillo, Francisco Alves, Cenair Maicá e Vitor Ramil. Esse projeto coloca em prática um novo modelo de globalizar o som do pampa usando o rock como referência. Cabe relembrar que o rock tem um conceito definido e reconhecido nos quatro cantos do mundo. Nessa nova roupagem o rock traz uma releitura e um novo significado para o som do pampa gaúcho.

Thiago Sumam (2015) define esse projeto como a mais transcendental experiência no conceito da arte, uma vez que revigora a história, sulcar do passado tudo que pode gerar semente e fruto pro amanhã. A princípio, um tradicional repertório de clássicos da música produzida no Rio Grande do Sul, porém, o que os diferencia, profundamente, são roupagens modernas e contemporâneas, o novo dentro do velho, levando em consideração a interculturalidade dos pampas. As canções, insinuando levadas de rock em solos de guitarra elétrica, quebram as correntes e cadeados de meros rótulos conceituais, sem se reduzirem aos gêneros e nichos de mercado.

Definido por Hique Gomez como, hiperpampa, se traduz em um conceito aberto para o diálogo universal, com influência de um passado cultural, mas de frente para o hiperespaço, atendo aos resultados das pesquisas e as novas influências do cotidiano. O hiperespaço é um conceito que vai além da percepção física das três dimensões, que é a maneira como estamos acostumados a perceber o mundo ao nosso redor. Em relação a cultura podemos colocar que a formalização do processo criativo pode alcançar elementos e sons nunca antes pensados para processos arraigados em histórias, músicas repletas de significações advindas da cultura de um povo. O estímulo a cultura cria e recria da nostalgia do cancioneiro regional até a imersão das influências guaranis, encapsulados por modernidade e o arrojo do inovar sempre, incluindo a compreensão de duas línguas próximas, para quem vive na fronteira dos pampas gaúchos.

Especialmente em relação aos sons do sul do Brasil e da fronteira com os países vizinhos, não podemos esquecer que o conceito de hiperpampa nos remete também as singularidades culturais contidas em sons da essência humana em todas as etapas da vida. Sons guturais de bebês que se comparam ao de tribos, a sonoridade da palavra não em diferentes culturas, as fantasias de crianças e os sons que buscam a paz e a solidariedade. Walt Disney em 1943, lançou o um documentário Alô Amigos, onde os personagens da Disney percorrem a América do Sul. O personagem do Pateta é transportado para os pampas, a fim de mostrar a grande semelhança entre sua vida do Texas com a vida dos campos do sul da América do Sul.

Se analisarmos esse desenho do Pateta, hoje, na perspectiva de aproximação do conceito de hiperpampa, onde a cultura é global ao mesmo tempo regional, podemos verificar que o cowboy americano tem sim muito a ver com o gaúcho da América do Sul.

Trazendo esse cenário para o cotidiano a formação profissional, estimular a cultura na educação superior exige uma série de ações que alarguem os processos tradicionais onde toda a comunidade acadêmica seja considerada produtora de  conhecimento por meio de  atividades artísticas e intelectuais com foco na produção, distribuição e consumo de bens e serviços inovadores que conformam o sistema da indústria cultural, regional brasileira e da fronteira estimulando o desenvolvimento político e social do país.

O papel das instituições de educação superior seria o de estimular por meio de ações de pesquisa e de extensão novos espaços de criação, interculturalidade e inovação dando a base a projetos como o Rock de Galpão[2] para a construção de novas significações para a música regional que canta seu tempo, seu povo, sua história antes de letras e verbos, que aprende sobre a vida antes de melodias e arranjos.

[1]  Projeto da Banda Rock de Galpão e direção artística de Hique Gomez. Recebeu o Prêmio Açorianos de Música 2015: Melhor Intérprete Pop Tiago Ferraz e Melhor Disco Pop Rock de Galpão Volume II: Ao Vivo nas Missões.

[2] Rock de Galpão pode ser encontrado em https://www.facebook.com/rockgalpao/

Composição da Banda Rock de Galpão: Gulherme Gul: bateria e darbuka, Gustavo Viegas: baixo, Rafa Schuler: guitarra , Mestre Kó: teclados e Tiago Ferraz: voz e guitarra.

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