Suzana Schwerz Funghetto – 13/06/2019
Alcindo Ferla
Médico, Doutor em Educação
Suzana Schwerz Funghetto
Professora, Doutora em Ciências e Tecnologias da Saúde
A legislação sobre a formação na saúde, em particular as bases regulatórias dos cursos de Medicina, é imperativa: afirma a necessidade de inovar para acompanhar os movimentos do mercado de trabalho e para seguir as diretrizes pedagógicas adotadas para a educação superior. Mais do que uma necessidade formal, essa é uma condição de preservação e destaque para as instituições de ensino, que fazem todo um planejamento para conseguir excelência na formação.
O Conselho Nacional de Educação (CNE), o Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mantêm um sistema de regulação e avaliação da formação médica centrado nas Diretrizes Curriculares Nacionais de 2014 que deveriam estar implementadas até dezembro de 2018. Nas diretrizes curriculares para os cursos de Medicina estão previstas estratégias importantes para a inovação: inserção precoce dos estudantes em cenários de práticas, cenários diversificados de aprendizagem na rede de atenção à saúde com serviços de diferentes densidades tecnológicas, as vivências em cenários de assistência, gestão e participação e o desenvolvimento de capacidades profissionais para a pesquisa e a aprendizagem permanentes.
O Conselho Nacional de Saúde, ao analisar os cursos nas etapas de autorização e de reconhecimento, tem centrado sua avaliação na relevância social deles. Busca a inserção no sistema de saúde e o grau de inovação pedagógica, considerando a integração entre a formação e o trabalho, a superação das dicotomias entre teoria e prática e entre os ciclos básico e clínico, a concepção de que o trabalho em saúde inclui a atenção à saúde, a gestão, a participação e o ensino na saúde, bem como a adequada disponibilidade da infraestrutura para garantir os diferentes cenários da formação.
Mais do que definições formais, as indicações da legislação brasileira acompanham tendências internacionais. Há quase 110 anos, o ensino médico ocidental foi impactado com um relatório de avaliação feito por Abraham Flexner, após visitar mais de 150 instituições nos Estados Unidos e no Canadá. Publicou seu relatório em 1910, que teve impactos importantes nas instituições de ensino médico em todo o mundo ocidental, com indução da formação centrada no hospital, o serviço mais relevante nos sistemas de saúde de boa parte dos países do ocidente, naquela época.
Por ocasião das comemorações dos 100 anos do Relatório Flexner, diversas instituições ao redor do mundo constituíram dossiês temáticos para analisar suas contribuições e atualidade. As divergências foram de diversas ordens. Mas o que mais chama a atenção é a visibilidade que essas análises dão ao fato de que os sistemas de saúde se desenvolveram com uma enorme diversificação de cenários de trabalho para médicos e demais profissionais de saúde e que esse fato impacta fortemente o trabalho médico e, portanto, deve ter reflexos na formação médica. O que chama a atenção no mundo do trabalho é que, na medida em que o trabalho profissional tem cenários diversos do hospital médico, as competências e habilidades que necessitam ser desenvolvidas na formação e na educação permanente são diversas do modelo flexneriano. Essa é a inovação que a formação médica requer e que as instituições, que pretendem formar médicos para o mundo do trabalho atual e para o que se prospecta para os próximos anos, devem seguir.
Algumas questões são imperativas nesse contexto. O hospital é um cenário relevante, mas não mais atuando de forma isolada aos demais serviços do sistema de saúde local e regional. Os cenários de aprendizagem devem ser, desde os primeiros momentos da formação, os diferentes serviços da rede de atenção. Sem desconsiderar o fato de que, para o trabalho médico, o lugar de maior densidade tecnológica costuma ser o hospital e os serviços especializados, mas o lugar de maior complexidade, no sentido epistêmico, são os serviços territoriais, em particular a atenção básica. Os pontos de atenção em que o trabalho médico é mais desafiado à inovação são, justamente, aqueles que antecedem o hospital na linha de cuidado das pessoas e coletividades. Portanto, é nesses cenários que a formação médica precisa deter-se de forma mais cuidadosa e é para esses cenários que a formação docente precisa dedicar-se mais fortemente. É preciso inovar na formação pedagógica para esses cenários, com metodologias que desenvolvam a capacidade de aprendizagem ativa.
A articulação entre a formação médica e os programas de residência tem relevância para a inovação. Na legislação atual, que induz a ampliação da oferta de médicos em nível de graduação e de especialistas, principalmente nas áreas básicas, a meta é equalizar o número de egressos da graduação com o número de ingressantes nas residências prioritárias. Pensamos que, para alcançar essa meta, é oportuno que a residência seja, também, um laboratório de aprendizagem para as instituições de formação.
A literatura já demonstra que os programas de residência são estímulos fortes à fixação de profissionais, inclusive em áreas com baixa oferta de vagas para a graduação. Avaliamos que as vagas de residência médica e em áreas profissionais, também podem ser laboratórios para a preparação de docentes, técnicos e das instituições. Portanto, parece que sua inserção nos sistemas de saúde poderia acontecer antes mesmo da chegada dos estudantes da graduação, constituindo-se também em estratégia para o desenvolvimento dos sistemas locais de saúde.
O desafio aqui é para que as políticas de regulação da abertura de cursos e de avaliação considerem a implantação de programas de residência médica e em área profissional da saúde como inovações necessárias da formação e do trabalho em locais diferentes da sede das instituições de ensino. São as residências, afinal, que fixam profissionais em áreas de difícil acesso e promovem a qualidade na saúde da população. Portanto, são inovações que mostram ousadia das instituições de ensino e precisam de reconhecimento do poder público para autorizar novos cursos.
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